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Pequeno ensaio sobre a morte

A ansiedade vem subindo e cravando suas garras em mim enquanto abro esse texto para digitar.




A morte é um ponto final.
Na minha opinião, um ponto final desnecessário e, muitas vezes, no lugar errado e na hora errada.

A cultura da morte

É interessante notar que a maioria das culturas, em seus ritos funerários, considera-se que exista algo após a morte. Por exemplo, no México acredita-se que os falecidos vêm a terra visitar os parentes no Día de Muertos, o que afeta diretamente o comportamento das pessoas nessa data: é um dia de festa e comemoração, onde usualmente se preparam, em cada casa, as comidas e bebidas favoritas da pessoa que se foi.

Alguns ritos funerários também se preocupam bastante com a saúde mental dos parentes e amigos que ficam. É o exemplo do judaísmo, onde, diante da morte, há a reafirmação da vida. Os judeus também permanecem em casa para viverem o luto em privacidade e silêncio. Em alguns momentos desse processo há até mesmo a recusa em receber qualquer visita.

Essa crença coletiva de que existe algo nos esperando após morrermos causa uma curiosa semelhança em grande parte das culturas analisadas: os ritos funerários são rituais de passagem, representando uma suposta travessia da pessoa que partiu para o outro lado. Aparentemente, parece ser importante que as pessoas inseridas culturalmente na sociedade acreditem que exista essa travessia, para que haja melhor entendimento e aceitação da morte. 

Se é inevitável, por que é difícil aceitar?

A única certeza da vida é a morte.

Seres humanos deveriam ser, supostamente, seres racionais. Mas, na maior parte do tempo, agimos baseados em nossas emoções e instintos. A morte é algo que evitamos, por nossa incapacidade em racionalizá-la e por naturalmente evitarmos atitudes de auto-destruição. Também evitamos todo e qualquer tipo de perda: perda de algum bem material, perda de emprego, perda de uma oportunidade. Tudo o que fere o ego não é desejado pela consciência.

Dessa forma, exatamente por termos a certeza de que a morte é inevitável, preferimos não dedicar muito tempo de nossa consciência à isso, e nos tornamos alheios ao fato de que nossa própria morte está cada vez mais próxima. Existe a recusa em se deixar abalar pela morte cotidiana, assumindo como algo rotineiro a noticiação de diversos assassinatos em jornais e televisão.

A realidade se abate de nós de forma dura quando alguém que conhecemos falece. É um conflito entre o real e o sensitivo que se desenrola dentro de nossa consciência:
  1. A tentativa de negação do fato, ou seja, a tentativa de permanecer no estado de inconsciência da morte; 
  2. A raiva pelo acontecido, uma das formas pela qual a frustração pela inevitabilidade e a dor da perda se manifestam;
  3. A negociação do futuro, onde o medo da morte ou da "danação eterna" se reflete em buscar modificações nas atividades da vida a fim de retardar ou evitar esses acontecimentos;
  4. A depressão, onde o enlutado percebe que nenhuma das fases anteriores lhe trouxe qualquer benefício, e se recolhe em si mesmo, muitas vezes questionando o sentido da própria vida;
  5. Finalmente há a aceitação, pois percebe-se a possibilidade de continuar a viver mesmo com a memória da perda e com a incerteza da vida.

E se a morte não existisse?

Como agiríamos conosco e com o mundo caso não houvesse possibilidade de morrer? 

Algumas possibilidades são bem óbvias. Exemplifico: teríamos muito mais pessoas andando sobre a Terra atualmente, o que sobrecarregaria o planeta ao ponto da extinção de toda espécie, exceto a nossa, que viveria em eterno martírio num mundo desolado. Supostamente, a violência seria maior. As pessoas, por não sentirem medo da morte, teriam uma tendência maior a cometer assaltos e assassinatos ou reagir à assaltos. A irresponsabilidade com o próprio corpo seria maior do que a atual, e os casos de obesidade mórbida seriam cada vez mais frequentes.
O lado bom é que teríamos Aristóteles, Newton, Einstein e diversos outros cientistas trabalhando até os dias de hoje. Teoricamente, por conta disso, nossa tecnologia seria mais avançada.

Mas a pior parte seria o cansaço que a vida causa. Aos poucos, todo significado iria se perder, todo desejo iria morrer, toda intenção seria suplantada pela apatia. Não haveria significado para luta, esforço ou vitória, pois não haveria o oposto disso. Nesse universo, se a única opção para encarar a morte fosse o suicídio, as taxas de auto-aniquilamento seriam tão altas quanto as atuais taxas de morte por quaisquer razões.

Também seríamos pessoas eternamente endividadas, afinal, teríamos a eternidade para pagar os empréstimos.

O fim pode ser benéfico?

Analisando as possibilidades de uma vida eterna, é possível considerar que o fim da vida é benéfico de alguma forma?

Sim, é possível. A nossa vida, apesar de tão curta, ainda é longa demais. Ao final dos nossos dias, já estamos exaustos. Nossa mente e corpo já não são os mesmos, e tudo nos exaure. Nesse ponto, o fim não significa nada menos do que o repouso, o descanso.

"Afinal, para a mente bem estruturada, a morte é apenas a grande aventura seguinte." - DUMBLEDORE, Albus Percival Wulfric Brian.